sábado, 15 de junho de 2019

Amanhecer

Logo que abri os olhos, me descobri.
Não, não estou dizendo que tirei o cobertor e senti o frio da manhã que a minha janela anunciava.
É que, de repente, percebi uma presença e precisei correr para o espelho para responder à pergunta que me angustiava:
Quem estava ali?

A princípio, estranhei o que vi.
Forma, pele, pelos...
Quando foi que essa aparência me alcançou?
Não sei se gosto do que vejo...

Um ar misterioso, um pouco inocente, mas cheio demais de sombras do que já vivi...
Os elogios me escapam e começo a listar dois, nove, cem defeitos...
Como não me orgulhar da acuidade do meu olhar crítico?
Olhar que, como uma agulha fina, dói.

Correndo, voltei para cama.
No calor do cobertor, pelo menos, não me julgo.
(...)
Mas será que posso perdoar alguém que se prende à cama?
Ah, culpa, minha velha amiga, venha me cobrir novamente...
Ou não? Por favor! Não sei se aguento seu peso...

Então, fugindo, saio da cama mais uma vez, dessa vez de olhos fechados.
PAH!

Estranhamente, permito-me sentir a dor da queda.
Um bálsamo para a dor das críticas!
Percebo que tudo o que quero é uma distração, um corte, qualquer coisa que seja mais humana que esse fluxo de pensamentos.
Pensamentos que, de tão metódicos, só me aproximam da máquina perfeita que me dói saber que nunca vou ser...

Instintivamente abro os olhos, como numa segunda fuga.
Preciso ver o que me dá tanto alívio e, como num quadro, vejo:
Minhas mãos e meus pés estão juntos, num ângulo estranho.

Mas, algo estava diferente.
Olhei mais uma vez e vi tudo o que sou – as mãos, os pés e todos os músculos e toda a angústia
(Ah, quanta angústia!) – me levantando.

E foi assim que senti, logo que abri os olhos:
me descobri.

Belo Horizonte, 06 de junho de 2019.

Tarot

Destino?
Aviso?
Intenção?

Hoje eu me queimei com a borra de café.